domingo, 25 de abril de 2010

Debate de personalidade

De longe avistou o cavalheiro se aproximar. O dia estava quente, sem vento, e o sol castigava o andar do homem. Ela permaneceu sentada à sombra do ponto, a espera do ônibus que não tardaria. Sentiu seus passos arrastados mais perto .
-Boa tarde.- Cumprimentou o rapaz cordialmente.
Ela desviou o olhar reto por um segundo e grunhiu uma resposta sociável com um sorriso burocrático nos lábios. Ouvia-se ao longe o barulho dos motores dos automóveis na avenida. A rua era deserta, e o asfalto trepidava ao calor. Ambos estavam calados. O silencio não a incomodava, acreditava que nada era mais sensato que duas pessoas que nunca se falaram continuassem nesta situação, inerente ao fato de estarem a sós. O rapaz, criado aos bons costumes, claramente não acreditava. Sentia-se incomodado com a falta da conversa, trocando de perna frequentemente, mudando o apoio do tronco, revirando o cérebro em busca de uma frase cortes que iniciasse uma conversação natural. Assim o fez.
- Tempo maluco este, não? – Ele perguntou com um certo ar de indiferença, fitando o céu limpo. Ela encarou-o rapidamente, com lábios semi abertos, com uma expressão indecifrável. Ela voltou a encarar o nada, o que ele decifrou como um sinal para que continuasse. – Digo, está muito calor para esta do ano!- Completou ele, mostrando parte de seus dentes em um sorriso torto.
Alguns instantes se passaram e a moça nada respondeu. O homem beirou o desespero social. O que havia falado de errado? O que tinha feito? Será que tinha ofendido a moça de alguma maneira? Sentiu-se aliviado quando a mulher virou o tronco e encarou-o nos olhos.
- Está mesmo tentando iniciar uma conversa me perguntando sobre o clima?- Perguntou ela com um semblante confuso e os olhos estacados nos deles. Sentiu sua boca seca e o coração perder o compasso. O que o manual de convivência social lhe diria nestas horas? Seus lábios se abriram e se fecharam repetidamente. A moça, cordialmente, esperou pela resposta.
- Si-Sim, e por que não? É um tópico totalmente plausível para iniciar uma conversação!- Retrucou o rapaz indignado com a falta de polidez na moça. Ela balançou a cabeça como um sinal de indiferença.
- Por que acredita nisto?- indagou, curiosa. Ele pensou, formulando a resposta.
- É um tópico que todos nós temos alguma opinião, oras! Pois todos nós estamos sujeitos as nuances do clima e inevitavelmente o sentimos! Querendo ou não, formulamos uma opinião a respeito. – Continuou orgulhoso. – Nada mais sensato que o assunto para ser abordado em uma conversa casual tenha um tópico de conhecimento geral! – Concluiu gesticulando levemente com a mão. A menina permanecia com os olhos cerrados e a boca crispada, como se pensasse na conclusão do rapaz. Passaram-se mais alguns instantes para que ela respondesse. Uma brisa inesperada fez com que as folhas da sargeta se remexessem.
- Que tal Amor? – Interrogou inocentemente a garota. O rapaz permaneceu estático sem entender a afirmação inesperada dela.
- Amor? O que que tem o Amor?
- Por que não iniciar a conversa perguntando sobre ele? – O rapaz continuou a encará-la com uma feição totalmente confusa. Ela continuo a explicação. - É um tópico que todos nós temos alguma opinião, oras! Pois todos nós estamos sujeitos as suas nuances e inevitavelmente o sentimos! Querendo ou não, formulamos uma opinião a respeito. – Explicou calmamente. - Não foi o que disse? – Ele continuou a encará-la com um completo desconhecimento sobre sua afirmação.
- Mas é claro que isso não se aplica ao amor! –Exclamou alterado.
- E por que não?! – Ela permaneceu confusa. Ele gaguejou inicialmente.
- Por que não há lógica! E como essa conversa se iniciaria?! “ Olá, como vai o amor?!” – Perguntou com um certo tom de sarcasmo.
- Oras, seja criativo! – Bufou ela voltando a encarar a paisagem a frente.- Não foi você quem quis iniciar a conversa? Pelo menos me pergunte sobre algo menos banal que o clima. Trivialidades não nos levam a nenhum lugar, além do ordinário. - Concluiu ela cruzando os braços.
Ele pensou em responder algo, mas depois se calou. Engoliu a mediocridade em suas palavras e manteve-as em si. O som de um motor se fez mais alto na rua. O ônibus chegou e recolheu a moça que subiu sem hesitar. Ele permaneceu estático. Estava ele agora, se deparando com as diversas conclusões climatológicas frívolas que possuía, e sem nenhuma ilação além do... ordinário.

sábado, 24 de abril de 2010

passagem

não há nada no tempo que cure,
apenas o sentimento de já ter
sofrido demais.